segunda-feira, 1 de março de 2021

Como é que se escreve a um amor que já não é nosso?


Estou sentada com um lápis e um bloco na mão, o café arrefeceu e o meu coração também. Ouço o ponteiro dos segundos a passar e o tempo parece que está paralisado. Há todo um burburinho dentro e fora de mim. As pessoas correm para parte nenhuma pois não conhecem o verdadeiro destino, e eu, que sei que destino me espera, mantenho-me à espera que chegue.

Hoje, ao escrever-te, meu amor, não sei como te hei de escrever. Já não és o que foste em tempos e, por isso, amo-te. Deixámos de ser crianças sem nunca o deixar de ser. Moldámo-nos com o tempo e com o que a vida, a seu tempo, nos fez viver.

No fundo do meu ser, sei-o. Na tona da minha pele, sinto-o. Creio e faço crer que no mundo existem coisas para ser para sempre, dure o sempre o tempo que tiver que durar. Tu, meu amor que já não é meu e sim, quiçá, de outro alguém, és um para sempre. O que garantidamente levarei quando o destino chegar e que guardarei até então.

Puxo do cigarro. Revejo-te sentado na cadeira vazia que me faz companhia e sorrio com saudade. Tu estás, mas não na totalidade da emoção que desejo de ti. Há a voz, mas não o beijo. Há o corpo, mas não o toque. Há a presença, mas não... Não. Não há pois não te posso mais ter. O tempo já lá vai e é tempo de seres teu.

O café arrefeceu, o cigarro apagou-se e o destino não tarda a chegar. Até lá, amor, continuas a ser meu.

quarta-feira, 8 de abril de 2020


Spotify playlist - do bom português

Tenho guardadas em notas espalhadas mensagens esquecidas que nunca te enviarei. Falta a coragem de te escrever e, no entanto, todos os dias escrevo-te sem que o saibas. Por não estar em mim deixei de estar em nós, agora existimos e o que tivemos já não o é mais. És a banda sonora dos meus dias e as palavras que mantenho escondidas serão inteiramente tuas quando mas quiseres ouvir. "Desculpa se só te digo isto agora, tive medo que fosses embora.". Sei de cor muito do que és e tenho o suficiente para te amar. És dona de ti e o mundo quer-te exactamente assim. Deixa-me abraçar-te nuamente uma última vez sem razões nem porquês.
"O mundo é cheio de distância. A abundância de extremos afasta a integridade do que é só. Noções de espaço e tempo são relativas, incertas, ilusões. Há nada e há tudo e nada é tudo, porque tudo o que se sabe é nada e é tanto. Imaginando-se o que se conhece cá dentro, pouco há que se conheça."

Comecei esta linha de pensamento há exactamente dois anos e, apesar de não saber como iria acabar, a incerteza traz-me, de certa forma, paz de espírito. A distância em tempo e espaço do agora ao momento passado realça a diferença inevitável do ser comparativamente a si próprio. Eu, num corpo diferente que é o mesmo. Numa realidade diferente que se mantém por ser minha. Passaram dois anos e o mundo continua cheio de distância.

domingo, 1 de setembro de 2019

Tenho as mãos enferrujadas e não sei mais como se passa deste mundo para o papel. Não me lembro da última vez que me sentei de frente para o caderno e o olhei atentamente. Parar para o fazer tem sido difícil e evitável desde aquela madrugada em que escrevi como se a vida dependesse disso. E dependia.
O sol começava a dar sinal de querer aparecer e ainda ia a meio do que seria a maior composição da minha existência. Comecei com um pensamento vago que me tinha ocorrido pouco depois de me deitar para dormir, e esse foi o início da catástrofe.
O vago rapidamente passou a concreto e as perguntas começaram a surgir. Ouvi dizer um dia, pela boca de um senhor, que a questão mais importante e igualmente perigosa que um amante da escrita pode fazer é "E se?". Fiquei intrigada com tais palavras, mas parece que só naquele momento ecoaram realmente na minha cabeça. Histórias vinham ao de cima. Enredos e peripécias. Calmarias e aconchegos. Finais e recomeços. Inconscientemente tinha consciência de que nada daquilo fazia qualquer sentido e pela primeira, não queria saber. As vírgulas não eram uma preocupação, as figuras de estilo saiam à toa, nomes e adjectivos fora de sítio. Aquela tempestade passou a ser uma realidade a carvão e enquanto a alimentava, receava o resultado.
Como em todas as tormentas, houve estragos pelo meio - buracos pela força da mina, borrões pela água salgada, desgastes pelas mãos. No papel uma mixórdia de palavras, na mente, igual desordem. Por dentro era como se escrevesse diálogos internos entre uma só pessoa e outras tantas, diversas em todos os seus sentidos. O pensamento vago era agora um ponto final. Todas as catástrofes terminam. 
As mãos vão continuar enferrujadas por decisão sábia. Penso eu. Ainda não estou pronta para passar deste mundo para o papel, porque se o fizer... será para sempre.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Não te escrevia há muito tempo. Não usava a tinta da caneta para desenhar os contornos do teu corpo, nem o papel para delimitar a tua existência, desde aquela manhã em que era eu sem ti. Penso não o ter feito mais cedo por medo de te trazer de volta à vida, de te dar novamente um lugar na minha secretária, no meio dos meus pensamentos amarrotados e não permiti que me saísses de dentro para uma superfície em branco. Deixando a cobardia de parte, hoje arrisquei. Sentei-me de frente para o caderno onde te tenho escondido e reproduzi-te por meio de linhas e sombras, através de palavras soltas que, apesar de ordenadas, pareciam não ter sentido.

Do que falamos quando falamos de amor? Damos-lhe um nome, atribuímos-lhe uma pele, um cheiro, uma voz, um olhar. Durante tempos, indefinidos por não querer atribuir números quando se ama, a minha definição preferida de 'amor' era o teu primeiro nome. Comecei a amar-te no dia em que o disse numa conversa contigo e soube que era feliz. O amor pode perfeitamente ser apenas um nome de quatro letras.
Falo de ti como falo do acontecimento mais natural e fantástico da vida. E é tão bom, falar de ti, da vida e do amor sendo um. E é tão mau, falar de ti como um passado distante e inalcançável. 

Lembro-me de ter pousado a caneta algures nestes pensamentos e de respirar fundo. Não sabia se deveria parar ou continuar a escrever todas aquelas loucuras que tinha presas na cabeça e que estavam prestes a fugir pela mão. Fechei os olhos e imaginei, em forma de imagens concretas, todo o ser complexo que personificava o amor, naquele exacto instante. A figura, translúcida, não desaparecia com o passar dos minutos e parecia olhar-me profundamente, como quem é atravessado pelo primeiro raio da manhã. Limpei o canto dos olhos e continuei.

Tenho saudades de te amar, de te saber de cor, de percorrer sem medo as imperfeições da tua personalidade. Não sei mais o que és e o que sou agora é-me estranho sem ti. A tua voz ecoa no meu inconsciente e invades os meus pensamentos sem pedir permissão. Fui viciada em ti e, como todas as drogas, o amor é doloroso de ressacar.
Pode-se não amar em quantidade? Amar apenas, na sua plenitude, sem limites ou restrições. Um amor sem palavras certas ou erradas, sem meios-gestos, sem nenhum "e se?". Um amor pequenino e frágil, capaz de aguentar todas as tempestades dos nossos dias. Um amor como tu. Como eu.
Um dia vou olhar-te de novo. Uma segunda primeira vez. E se me voltar a apaixonar, saberei que foste inteiro comigo. Terei a certeza de que o amor, tem mesmo quatro letras.

Empurrei a cadeira para trás. Meia dúzia de linhas depois e sentia-me mais exausta que nunca. O coração estava num aperto, as mãos a suar, os olhos rasos de saudade e a vida parada. Deixei-me ficar paralisada e quando o meu corpo permitiu, apaguei a luz. Não te escrevia há muito tempo e nem o tempo te apagou de mim.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

A M O R (T E)

Penso muito na morte. Talvez mais do que devia.
Penso muito no amor. Talvez menos do que devia.
A cada dia que passa, esta palavra vestida de preto teima em não me largar da mão. Toma todas as formas e feitios e vem, do nada, bater-me na cabeça para querer ficar. Já não é a primeira vez. E minto ao dizer que será a última.

Gosto de pensar em ti. (?) Gosto? Possivelmente, pois caso contrário não o faria com tanta frequência. A tua voz ensurdece-me lentamente. Enches-me de ideias absurdamente aliciantes e tiras-me as forças, uma a uma. Que fazes tu com elas e por que mas queres todas?
A toda a hora assisto à batalha entre ti e o Amor. E eu que sempre quis acreditar que vocês deviam ser grandes amigos. És gananciosa e tentas tirar-lhe o lugar que lhe dou. Queres a luz da ribalta só para ti e sempre que ele aparece, atacas com todas as tuas armas.
Que queres de mim? Ocupas tanto espaço que nem consigo respirar. Tiras-me o sono, o apetite, o sorriso... Obrigas-me a afastar todos só para resolver tudo contigo.
Não vai doer? Prometes? E eles? Que será deles sem que lhes diga nada? Eu vou contigo, sou tua e tu sempre foste minha. No final das contas, estiveste aqui em todas as ocasiões. Fizeste questão disso. Obrigada. (?) Agradecer-te? Talvez pelo sofrimento que me causaste e pela dor de que me poupaste. Mas tu não me poupas. Esgotas-me até à exaustão. Até não dar mais. Até não ser mais. E o Amor, aquele que sempre prezei e guardei para que nunca faltasse a ninguém, falta-me a mim. Estou doente, com um défice de Amor-próprio e o que os outros me dão, não é suficiente, ou compatível. O que os outros me dão não chega e é um Amor pequenino e escondido que parece que tem vergonha de se mostrar. É de mim? Será isso que me queres dizer, Morte? Que é de mim a vergonha dele(s) e reside em mim a culpa da minha própria desgraça? Aceito-te agora, tal como és, porque fazes o mesmo. Não me queres de outra maneira, só assim, da maneira que sou e nem eu entendo.
Eu amo, sabes? Ainda assim, eu amo. Muitos corações, cada um a sei jeito. Uns de azul, de roxo, amarelo, verde ou cor-de-rosa. De que cor será o meu? Tem cor? Cegaste-me com o teu negro e não sei de que cor é o meu coração.
O coração azul que amo é o mais pequenino. Nasceu há pouco tempo e cuido dele todos os dias. De vez em quando tento ensiná-lo a amar sozinho, para o caso de um dia fugir contigo e já não voltar. Seria egoísta da minha parte se o deixasse sem estar preparado. ... Mas não vou deixa-lo. Nunca! Nenhum deles, porque mesmo sem saber a cor do meu, ele terá sempre todas as dos corações que amo.
Hoje ainda fico. E tu ficas comigo. Não sei se lute contra ti, se te deixe ir comigo ou se vá contigo. Tu e o Amor deixam-me confusa e eu estou cansada de viver e do que significa amar.




"Desistir pode ser um dos maiores actos de coragem que a vida nos coloca à frente."