segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Carta ao meu filho...

Meu querido,

passei mais de metade da minha vida a ensinar-te o sentido dela, e errei. Amadurecemos à pressa, crescemos num pulo, aprendemos que é o dinheiro que nos traz sustento, lemos banalidades nos calhamaços da escola e acreditamos serem verdades, formatamos os nossos filhos impedindo-os de serem crianças, vivemos de rotinas apertadas, imitamos a multidão para nos integrarmos na sociedade e morremos satisfeitos com pão na mesa e um tostão velho no bolso.

passei menos de metade da minha vida a sobreviver, e errei. Sempre me impuseram regras restritas de horários sufocantes e normas que tinha obrigatoriamente de cumprir. Foi-me incutida a realidade de ser essencial um bom trabalho para ter uma vida às direitas. Moldavam a minha personalidade com conversas baratas e balelas bem contadas. Faziam de mim marioneta e eu aceitava os teatros forçados.

passei a minha vida com um "vou andando", e errei. Venho agora dizer-te, meu filho, que não te permito que erres como eu. Tens mais de metade da tua vida pela frente e todo o tempo é indispensável para te salvares do insaciável "vai-se indo". Vê o bom de tudo. Na totalidade das coisas há sempre uma percentagem de prazer. Há em cada milímetro de vida, um viver. Não jogues ao toca-e-foge com a felicidade. Toca-a, agarra-a e não a deixes fugir. Ama com a pele. Ama com os lábios, com os olhos, com os ouvidos, com o nariz, com tudo. Esquece as dietas detox e ataca aquela tablete de chocolate que tens escondida na gaveta da tua secretária. Tira os sapatos quando te sentares à sombra daquela árvore grande lá do jardim, enquanto lês um bom livro infantil. Joga à bola com os miúdos do bairro e perde para os deixares ser os campeões mundiais de futebol de rua. Vai a festas e come à fartazana. Aproveita o cheiro das castanhas assadas e da terra molhada de outubro. Abraça fortemente quem amas e quem não amas. Falha que nem um maluco por amor e conquista aquela pessoa todos os dias. Grita com toda a tua força depois de uma caminhada pelo meio do nada. Dança quando estiveres triste e quando estiveres feliz. Canta mesmo que desafines. Vive em nome do prazer. Beija sem limites. Sonha com o impossível e realiza-o. Ri às gargalhadas no meio das pessoas e contagia quem te rodeia. Partilha pastilhas elásticas. Faz serenatas à tua amada às tantas da madrugada. Leva os teus filhos a conhecer o mundo. Vê filmes de animação sem medo de chorar que nem um desalmado. Vai ao cinema sempre que te der na real gana. Conta segredos ao vento. Sua que nem um perdido enquanto brincas aos super-heróis no chão da sala. Vai para o trabalho de fato de treino se te apetecer. Nunca desistas do que desejas de alma e coração. Rebola na areia todo molhado. Agarra todas as oportunidades de seres feliz com unhas e dentes. Aprende e ensina a andar de patins ao mesmo tempo. Adormece no sofá. Chega a desoras a casa só porque passaste a noite a apreciar as estrelas. Viaja sem rumo certo. Conta anedotas e ri-te delas. Pratica o amor em todo o lado. Mergulha mar a dentro à luz da lua. Cozinha banquetes a dois. Ignora o que te aborrece. Prepara carinhosamente a marmita que os teus pequenos levam para a escola. Deixa bilhetes de amor espalhados pela casa. Conta histórias inventadas e verdadeiras. Agradece a manhã, a tarde e a noite. Passeia de mão dada. Ama como uma criança. Ouve o canto dos pássaros e o vento a roçar-se entre os ramos. Salta em poças de água. Brinca ao faz-de-conta. Toca um instrumento qualquer e faz uma banda. Diz à tua filha que ela é a menina da tua vida. Diz à tua mulher que é a dona do teu coração. Ensina o teu rapaz a conquistar o amor. Vive incansavelmente.

passei o resto da minha vida a aprender o sentido da vida e a conclusão a que cheguei é que não tem qualquer sentido, e acertei. Escreve a tua própria história sem pressas. Vai contra a maioria e não sobrevivas. Manda todos irem dar uma volta ao bilhar grande e arrisca. Ignora a estupidez do "tem de ser" e faz só porque te apetece. Ama a tua vida pois ela é a única oportunidade que tens de viver. E viver é tão bonito. A vida é tão bonita. Apaixona-te diariamente por ela. Este é o não-sentido da vida: dar-lhe um início todos os dias e amar tudo como que pela primeira vez.

passa a tua vida toda a viver e a amar estar vivo e serás inteiramente feliz, prometo.

domingo, 9 de outubro de 2016

«Ama-te.
Cada linha do teu rosto é perfeita para que nela escrevas a tua história. Cada curva do teu corpo é a perdição perfeita do amor. Cada desenho da tua pele é uma obra de arte única. Cada sinal é um abuso à autoridade.
Sê a liberdade de um sopro de frescura na tarde de verão que muda uma vida. Não receies a tua própria independência em cada escolha que tenhas de fazer. Enfrenta confiante o turbilhão do quotidiano sempre que ele de ti se aproximar. Escreve e reescreve o desenlace do teu próprio romance e aproveita a leitura. Saboreia a doçura do arrepio escondido num abraço despido. Sorri de lágrimas nos olhos e leva nos lábios a franqueza da simplicidade. Grita de pulmões cheios aos sete ventos a loucura que te faz mover as montanhas e as entranhas. Deixa por entre os teus passos um rasto de mistério intensamente perfumado. Nunca ponhas o pé atrás nas tuas atitudes aventureiras que à partida te levarão a conhecer o impossível.
Orgulha-te do que és e não faças pelos outros. Faz por ti. Faz de ti. Faz-te. Sê a romântica sem limites que sempre foste. Chega sempre fora de horas e a tempo de um suspiro intenso. Vive por amor e morre por ele. Faz da vida um acto de radicalidade. Usa e abusa dos segundos como se o seguinte não existisse. Lê por prazer. Come por prazer. Corre por prazer. Ama por prazer. Vive por prazer. Aqui nada faz sentido se não a fim do prazer que sentimos. A montanha-russa de emoções torna-se na mais viciante diversão que possas experimentar. Veste a adrenalina do inesperado e sai à rua com a saia justa que tanto adoras. Alimenta todos os dias as borboletas que dançam no teu ventre e não prescindas de um toque de pele sincero no entrelaçar dos dedos.
Por muito tempo nesta caminhada de descoberta, amei-te. Amei-te com as forças que nenhum físico alguma vez estudou. Amei-te com estruturas corporais desconhecidas na anatomia humana. Amei-te sem espaços atómicos. E hoje, nesta noite aquecida pelo frio das estrelas, amo-te. Por tudo o que és e de mim fizeste não deixo de te amar com a magnitude que rebenta a escala de Richter. Tens o dom de tecelã de corações. E por tão bem alinhavares as cicatrizes que deixas, tenho de me despedir. Não há quem aguente tamanha perícia amorosa. Amo-te como quem ama pela primeira vez, amedrontado de valentia e coragem.
Amo-te e tudo o que te peço agora é... Ama-te.»
Limpou o desenho deixado pelo sal do choro e expirou. Olhou para o relógio e decidiu que aquela madrugada era a hora perfeita para ser feliz. E amou-se.