terça-feira, 30 de agosto de 2016

Permite-me uma última dança. Pega-me na mão e leva-me nos teus passos largos num aperto solto pela pista da noite. Temos a vida pela frente até que a aurora se levante na madrugada que se aproxima. O foco prateado incide sobre o abraço embalado ao som do vento que acaricia as folhas como a tua mão a minha face. E o meu corpo e o teu corpo são um que não conhece o princípio ou o fim. Tornamo-nos na forma abstracta que é a consistência do amor concreto. Fundimos suores e arrepios num deslize abrupto no entretanto de pausas no quaternário das estrelas. As respirações fazem-se ouvir em uníssono na melodia do vazio que paira na brisa turbulenta em redor das curvas que desenhamos. Puxa-me e não deixes que te escape pelos dedos enquanto os entrelaças nos cabelos despenteados que esvoaçam selvagens. Inventamos movimentos como quem inventa a existência do ser. E somos. Contamos quatro desde o cinco e começa o espectáculo a dois. Silêncio que se vai amar uma última dança. No clímax dos movimentos incessantes nem damos pela loucura da lucidez que nos deixa longe da razão. Perca-se o auto-domínio e agarre-se tudo o que há para agarrar com unhas e dentes. E que não nos falte a bravia coragem de quem só tem medo de não amar com o corpo e a música cardíaca. Envolve-me a cintura e eleva-me ao céu intocável com a ligeireza de uma tempestade. 
A madrugada traz o peso da despedida nos raios e abranda a cada instante o acontecimento dos dois. Há o agora e há o nada. Entre ambos, nós. Há nós a embeber o profundo do que naquilo que me permitiste dançar-te, existiu. E vamos arrastando a passada e ouvindo o acalmar do peito palpitante. Deixa que te encoste o coração ao meu e viva até ficar sem fôlego. Cinco, seis, sete, oito... e acabou a última dança.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Como sempre, para sempre.

Mal te tinha olhado e já eras dona do meu coração para sempre. Estavas sozinha como habitual. Passava por ti inúmeras vezes e sem razão aparente, naquela tarde, parei para te reparar. Vi em ti uma calma excitante que me tirou o sossego. Soube logo ali que te tinha de saber.
És uma mulher calorosa que sabe ser. Fitas-me intrigante e todo o meu corpo vira suor frio e tremura. Consegues parecer tão inofensiva e no entanto tão perigosa. Tudo em ti é mistério e não há nada mais desafiante que uma mulher profunda. A tua beleza excede o limite com o escarlate do teu batom e o negro do vestido que vestes em ocasiões especiais. Sentaste-te ao meu lado em modo provocador, cabelo solto para facilitar a viagem do teu perfume abrasador até mim. Deixe-me pagar-lhe uma bebida. Sorriste ao olhar-me. Já tinha passado meia década desde o nosso primeiro aniversário e continuavas a apaixonar-me só com o olhar.
Amo quando te amo como te amo. Tentas ser séria e desmanchas-te em cor enquanto escondes o sorriso envergonhado. Cantas no duche e tens o dom de fazer das minhas camisas peças dignas do teu corpo. Tens o reflexo de água nas coxas e as curvas mais ameaçadoras que irei percorrer. Há o teu beijo vertiginoso e viciante que me leva além do aqui. Danças pelos corredores do hipermercado enquanto fazes as decisões mais importantes do dia. Emaranhas pensamentos que saem certos no papel e fazes-me invejar o copo onde bebes o teu tinto por encontrar o sabor dos teus lábios. E é por isso que te amo.
Passaram vinte anos e sou o mesmo louco. Amo-te loucamente, quero-te loucamente, sei-te loucamente, sinto-te loucamente. E por te ser tão loucamente peço-te que me sejas o mesmo. Como sempre, para sempre.