Permite-me uma última dança. Pega-me na mão e leva-me nos teus passos largos num aperto solto pela pista da noite. Temos a vida pela frente até que a aurora se levante na madrugada que se aproxima. O foco prateado incide sobre o abraço embalado ao som do vento que acaricia as folhas como a tua mão a minha face. E o meu corpo e o teu corpo são um que não conhece o princípio ou o fim. Tornamo-nos na forma abstracta que é a consistência do amor concreto. Fundimos suores e arrepios num deslize abrupto no entretanto de pausas no quaternário das estrelas. As respirações fazem-se ouvir em uníssono na melodia do vazio que paira na brisa turbulenta em redor das curvas que desenhamos. Puxa-me e não deixes que te escape pelos dedos enquanto os entrelaças nos cabelos despenteados que esvoaçam selvagens. Inventamos movimentos como quem inventa a existência do ser. E somos. Contamos quatro desde o cinco e começa o espectáculo a dois. Silêncio que se vai amar uma última dança. No clímax dos movimentos incessantes nem damos pela loucura da lucidez que nos deixa longe da razão. Perca-se o auto-domínio e agarre-se tudo o que há para agarrar com unhas e dentes. E que não nos falte a bravia coragem de quem só tem medo de não amar com o corpo e a música cardíaca. Envolve-me a cintura e eleva-me ao céu intocável com a ligeireza de uma tempestade.
A madrugada traz o peso da despedida nos raios e abranda a cada instante o acontecimento dos dois. Há o agora e há o nada. Entre ambos, nós. Há nós a embeber o profundo do que naquilo que me permitiste dançar-te, existiu. E vamos arrastando a passada e ouvindo o acalmar do peito palpitante. Deixa que te encoste o coração ao meu e viva até ficar sem fôlego. Cinco, seis, sete, oito... e acabou a última dança.